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DIREÇÃO

Diferente do olho biológico, a função do olhar é subjetiva. Transmitida na vivência da cultura e da linguagem, ela pode ser percebida por exemplo, na impressão de que alguém está nos olhando sem que esteja ali no ambiente. Há diferença entre a imagem a olho nú e a bidimensionalidade da fotografia. A lente deforma e o que aparece é um efeito de relações entre fotógrafo e objetos. A visão não garante a foto. Ao limitar os encontros entre lente, mundo e corpo (suporte de movimento, vivência e ato), muitas vezes se impede que imagens sejam produzidas. Neste sentido, a pessoa cega é mais livre. Ao colocar-se vulnerável ao acaso dos encontros, ela abre a perspectiva de produzir aspectos formais valorizados na Fotografia Contemporânea. Pode-se mesmo dizer que a pessoa cega tem mais condições de surpreender, inovar e criar do que um fotógrafo vidente quando subjugado pelo que vê com o olho biológico e pouco atento ao olhar. A imagem construída pelo fotógrafo cego é aquela que teoriza Manoel Peçanha (aluno da E.F.C.): ela é distraída. Tímida, não se deixa ver, mas quando se distrai, a lente a captura. E assim, o fotógrafo-cego apresenta ao vidente o que ele não tinha visto. O não ver é um trunfo do fotógrafo cego. É o que testemunha o ensaio “Histórias do Não Ver” de Cao Guimarães quando o renomado artista cria um dispositivo onde o impedimento de ver (ele se venda) é fundamental. Na obra dos fotógrafos-cegos, a pulsão do olhar encontra lugar nas brincadeiras com as bordas e a produção de imagens que passa por pegar-não-pegar o objeto nunca inteiro, sempre parcial. Brincar com a parcialidade flagrada na imagem de objetos que podem cair do quadro ou se esvair, desmanchar, incomodando quem olha e desafiando as formas.

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Rejane Arruda. 

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